O autor deste blog NÃO reconhece o novo acordo ortográfico e usa sua própria ortografia baseada em critérios lógicos.

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domingo, 30 de janeiro de 2011

SOBRE CASAS, TIJOLOS E SONHOS

© ImageZoo/Corbis

De todas as figuras de linguagem, acho que a metáfora é a minha preferida. Infelizmente, o hábito de usar metáforas não vem acompanhado do hábito de explicá-las, o que pode levar a algumas falhas de interpretação. E, se alguém não entende exatamente o que uma metáfora significa, acredito que a culpa é toda de quem a usou. No caso, faltou explicar o que são os tais tijolos velhos.
Costumo dizer que cada pessoa tem um mundo particular, que se forma a partir da personalidade, experiência e esperança. Esse mundo pode ser frio, ensolarado, cheio de vida ou um deserto. Escolha o seu. Nesse mundo, você constrói sua casa, castelo, barraco, o que você quiser. Essa obra nunca está pronta, mas ela simboliza você mesmo. Ao mesmo tempo que constrói sua casa, você também constrói pontes ligando seu mundo a outros, de onde podem vir outras pessoas que vão visitar seu mundo, ajudar a construí-lo e, se você deixar, até viver nele. Essas pontes podem levar muito tempo para serem terminadas, mas a vantagem delas — ou desvantagem, dependendo do caso — é que já podem ser usadas antes de ficarem prontas.
Minha casa e minhas pontes são feitas de tijolos de vários tamanhos e funções. Os valores e a personalidade são meus tijolos mais sólidos e, exatamente por isso, são usadas nas fundações e colunas da construção. Todo o resto é feito de tijolos menores e mais leves, cada um deles uma experiência. Esses tijolos podem ser rearranjados de várias formas até se encaixarem adequadamente. E sempre é tempo de rearranjar tijolos. E existem os tijolos mais frágeis, os sonhos. A maioria está ali de lado, esperando o momento certo de serem colocados, mas também existem aqueles que já estão prontos, porque os sonhos só se tornam experiências quando associados a outras experiências. E cada sonho que encaixamos na parede dá sustentação a outros sonhos, até o dia em que, mesmo que a construção não esteja pronta, já é possível ver como ela será.
Existem dois problemas estruturais: (1) a massa que mantém tudo junto é uma mistura de razão e emoção, cujas medidas podem variar muito dependendo do momento da construção; e (2) nem todos os tijolos-sonhos se tornam sólidos. Os tijolos-sonhos também são particularmente complicados porque muitas vezes só podem ser encaixados na construção com a ajuda de outras pessoas. Às vezes, especificamente de uma pessoa.
A construção enfrenta terremotos, tempestades, inundações e mais um monte de fenômenos naturais que, acredito, dispensam explicações. Elas, por si só, podem causar muito ou pouco estrago, dependendo de como a construção foi feita. Mas se a massa que mantém os tijolos no lugar der algum problema, tudo pode desabar. E, nessas horas, o sonho é a parte mais frágil, especialmente quando ele depende de outras pessoas. Se essas pessoas não estiverem mais ali, não importa o motivo, aqueles tijolos se tornam inúteis, uma pilha de tijolos velhos.
Talvez eu seja mesmo um cara romântico, mas grande parte da minha casa e das minhas pontes foi construída junto com a Anna. Boa parte do que passamos se transformou em algo sólido, é parte da minha experiência e, mesmo que precise mudar um ou outro de lugar, eles fazem parte do meu mundo. Mas o que eu faço com todos aqueles sonhos que tivemos juntos e que não posso mais encaixar no meu projeto? O que eu faço com o enorme vazio que ela deixou na minha vida? Agora que estou tentando reconstruir o que caiu, pego cada tijolo-sonho, penso se ele se tornou um tijolo velho ou se ele volta para a fila e descubro que a maior parte deles não tem mais sentido. Me dói muito pensar que eu não vou mais ver aquele sonho se tornar real, porque ele só poderia ser vivido com ela. Sei que preciso me livrar desses tijolos velhos, mas não consigo. Não quero abrir mão de tudo isso, não quero desistir de tantos sonhos que construí com tanto carinho por todos esses anos. Sem eles, não me resta praticamente nada. E de que vale uma vida se não tivermos sonhos a conquistar?
Acho que agora está claro o que chamei de tijolos velhos. Se não estiver, não consigo mais pensar em como explicar. Todo o meu esforço agora está em segurar o choro. Não acho que vou conseguir.

sábado, 29 de janeiro de 2011

O SUICÍDIO NOSSO DE CADA DIA

© John W. Karapelou, CMI/MedNet/Corbis

Hoje de manhã (sim, por incrível que pareça, acordei antes do meio-dia num sábado) liguei o rádio a tempo de escutar um rápido debate acerca da legalização da maconha. Os argumentos favoráveis e contrários são fortes o suficiente para me manter em cima do muro. (Isso acontece até quando os argumentos são fracos, pensando bem — sou muito pós-moderno, reconheço). Imagino que algo semelhante deve ter acontecido quando se optou pela restrição ao tabaco e ao álcool e pela proibição da cocaína, que já foi um remédio comum contra dor-de-cabeça. Mas não é exatamente sobre legalizar ou não essa ou aquela droga que quero falar hoje. É sobre um conjunto muito maior de vícios e comportamentos que, se pensarmos bem, nada mais são do que um suicídio em pequenas doses.
Há algum tempo, as notícias sobre violência cruel e gratuita se tornaram mais freqüentes na mídia, o que leva muita gente a pensar que o ser humano está se tornando pior (golpe duro para os que ainda cultivam aquela mentalidade romântica do século XIX). Também se tornaram muito mais comuns aqueles gestos menores (mas profundamente irritantes) de falta de civilidade. Hoje, as pessoas agridem, destroem e matam por qualquer pretexto, por mais fútil que seja. Às vezes fazem isso até sem pretexto nenhum.
Em geral, a explicação que damos a nós mesmos é a de que essas pessoas têm uma percepção tão distorcida do mundo e de si mesmas que se colocam acima de toda a sociedade. Se suas auto-definidas necessidades são atendidas, pouco importa o que o resto do mundo pense, diga ou faça. O clássico problema da auto-estima viciosamente exacerbada, ou seja, as pessoas são mimadas demais. Acredito, porém, que a resposta não seja exatamente essa.
Para mim, a raiz do problema não é a valorização excessiva do ego, mas a ausência de um sentido para a vida individual e coletiva. O argumento fundamental contra qualquer comportamento vicioso é o de que a vida — considerada, aqui, como o conjunto das funções biológicas, intelectuais e sociais — é o bem mais precioso que existe e, portanto, deve ser preservada por todos. Mas qual é o propósito de preservar uma vida sem propósito?
Que cigarro e drogas fazem mal, ninguém discute. Também são poucos os que aprovam o uso gratuito da violência ou a prática da direção perigosa. Álcool já não é unanimidade, mas pessoas de bom senso concordam que o excesso faz mal, assim como sexo sem proteção. E, ainda assim, milhões de pessoas optam por isso todos os dias, muitas vezes de maneira consciente. Mas o conjunto de vícios aparentemente inocentes é muito maior. Os alimentares são os mais comuns, assim como a auto-medicação ou o simples ato de atravessar uma avenida movimentada fora da faixa. Tudo isso coloca nossa vida em risco. E, se as pessoas forem mesmo tão incapazes de evitar um comportamento auto-destrutivo quanto parecem ser, a conseqüência mais naturalmente nefasta é que também não se esforcem muito para preservar a vida dos outros.
Minha teoria é simples: a maioria das pessoas é incapaz de atribuir, de maneira consciente, um propósito à própria vida. Assim, fazem isso de maneira inconsciente e, portanto, irracional. Como conseqüência, vemos uma humanidade preocupada em satisfazer seus desejos e necessidades momentâneos (muito mais desejos do que necessidades, a bem da verdade) que, tão logo sejam atendidos ou até antes disso, logo são substituídos por outros desejos e necessidades. E me parece que a solução para tudo isso se encontra em algum comportamento auto-destrutivo, por mais inocente que pareça.
Eu também não escapo disso. Ontem finalmente percebi que havia dias que não tomava os remédios para controlar a pressão. Também estou adiando há semanas a marcação de consultas médicas e a alimentação, que já era um tanto irregular mesmo quando eu tentava seguir as recomendações médicas, agora está totalmente descontrolada. E a verdade é que não vejo nenhum sentido em cuidar disso agora. Não deveria ser assim, sei disso, mas sinto que perdi boa parte do propósito da vida quando Anna foi embora.
No final das contas, o que eu e o resto da humanidade precisamos é a mesma coisa: reencontrar o sentido da vida, uma direção que aponte não mais para o que podemos ser, ter ou fazer agora, mas para nosso verdadeiro lugar no universo. Nosso papel pode não ser tão grande quanto a maioria de nós gostaria, mas certamente é muito mais importante do que o que temos vivido até hoje e muito maior do que nossos sonhos mais profundos.
“Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” Romanos 12.2 (NVI)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

CASA NOVA, TIJOLOS VELHOS

© Images.com/Corbis
 
Como dizem por aí, “ano novo, vida nova, casa nova”. É verdade que o ano já não é mais tão novo e a nova vida que se me apresenta não é nada agradável por enquanto. Casa nova ainda vai demorar um pouco, já que ainda tenho que resolver minha vida financeira antes de conseguir tocar esse projeto. Então, pelo menos um blog novo, certo?
Mais ou menos. Quem prestar atenção vai notar que este blog é muito, mas muito mesmo, parecido com o anterior. Tão parecido que resolvi manter a continuidade. Todas as colunas que existiam no antigo Aleateorias continuarão existindo aqui, seguindo a numeração. Também mantenho aquela estranha lista de blogs mortos ali do lado, mesmo que ninguém mais se importe ou mesmo se lembre.
As novidades em relação ao blog antigo são poucas. Como não sou grande coisa em programação, mais uma vez fiz a opção de usar um modelo básico e personalizá-lo na medida do possível. No final das contas, o resultado não é lá grande coisa, o que me obriga a ser pelo menos razoável na qualidade dos posts. Convenhamos: a não ser pela bondade dos amigos, só posso contar com o que escrevo para ter leitores.
A única novidade que talvez mereça ser comentada é o quadro de Status ali no canto superior direito. A idéia é sempre colocar alguma imagem que traduza o meu estado de espírito, de modo que aqueles que se importam comigo podem simplesmente bater o olho ali e saber como estou. As imagens serão sempre simples e diretas. A de agora, por exemplo, é bastante óbvia.
Quando comecei a vida de blogueiro, a intenção era fazer uma coisa simples, que servisse como canal rápido de comunicação com os amigos. Essa parte do plano deu errado, porque os amigos pararam de blogar e eu logo comecei a escrever sobre uma variedade muito grande de assuntos. Também porque a correria e o cansaço da vida me afastaram do blog. Finalmente, o Twitter acabou assumindo a função de me conectar com o resto do mundo. Mas continuei com o blog e, durante todo esse tempo, as funções elementares que o Uol oferecia foram suficentes.
Nesses últimos dias, porém, retomei a rotina de escrever, por razões que praticamente todos aqui já conhecem. Percebi, então, que o Uol parou no tempo e que eu teria que gastar muito tempo pesquisando para fazer as atualizações que eu queria. Ao mesmo tempo, percebi que o Blogger tem um sistema muito simples de configuração — template codes for dummies. Estudei um pouco e resolvi fazer a mudança.
Comecei a fazer os testes nesta semana, o que não foi muito fácil, já que minha conexão resolveu dar problema (ainda não está legal). De ontem para hoje, finalmente cheguei ao formato que considero satisfatório e passei a pensar nos detalhes. Tentei importar as mensagens do blog antigo, mas não consegui. Tudo bem, já que não pretendo deletá-lo. A parte mais trabalhosa mesmo foi transportar todos os links de um lado para o outro. Um deles foi particularmente difícil.
Entre os links descontinuados, está o Histórias de Anna e Fili, um blog que abri com a Anna ainda no começo do namoro e que não durou muito, por várias razões. Caí na besteira de reler alguns dos posts e o resultado foi uma tristeza muito grande. Não consegui evitar o pensamento de que não foi só o blog que foi descontinuado, mas toda uma longa história que eu realmente acreditava que daria certo.
Como podem ver, ainda não superei isso. Já me disseram que vai passar antes do que eu imagino, que ainda não dá para saber o que vai acontecer, que preciso aproveitar esse momento para aprender coisas importantes sobre mim mesmo e sobre a vida… Sei que tudo isso é veradade, mas, por enquanto, ainda estou muito triste e, mesmo tendo bons amigos por perto sempre fazendo o que podem para não me deixarem sozinho, a verdade é que me sinto muito solitário, como se tivesse perdido a única pessoa que realmente me conhecia.
Montar o novo blog me ajudou a pensar em outra coisa por um tempo. A mesma coisa vale para os filmes, os jogos, as saídas e conversas com os amigos. No final, estou sempre sozinho e tentando entender como pude deixar escapar o que parecia ser a melhor chance que eu tinha de ser feliz. E, se o que eu digo sempre para meus alunos é verdade, a felicidade talvez nunca mais me dê uma oportunidade de alcançá-la, porque ela não é um direito. É um privilégio.
Gostaria que meus problemas e angústias pudessem ser simplesmente abandonados como fiz com o blog antigo. Mas não é assim que a vida funciona. Vou me esforçar para recomeçar, reconstruir o meu mundo, mas vai ser difícil me livrar dos velhos tijolos.

Conheça, também, o primeiro Aleateorias.