O autor deste blog NÃO reconhece o novo acordo ortográfico e usa sua própria ortografia baseada em critérios lógicos.

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sexta-feira, 29 de julho de 2011

SAPERE AVDE XI: DA BELLE ÉPOQUE À GRANDE ILUSÃO

Esse é um dos temas que mais gosto de trabalhar no colegial. É algo que venho pensando já há algum tempo, mas os acontecimentos recentes, particularmente o caso da Noruega, me ajudaram a tornar as coisas um pouco mais sólidas. Esta aula seria o fechamento de um módulo um tanto grande, que vai da Belle Époque à II Guerra Mundial.



Da Belle Époque à Grande Ilusão

© Images.com/Corbis

Um homem, brasileiro, usando terno e sapatos italianos, em pé na plataforma de uma estação construída com técnica e material ingleses, à espera de um trem de fabricação americana, lê um jornal francês que traz as últimas notícias sobre a crise econômica na Grécia, a guerra no norte da África e o terremoto no Japão.
O conhecimento técnico-científico já não avança em passos, mas em saltos cada vez mais largos. O cotidiano doméstico e profissional torna-se profundamente dependente de aparelhos de operação relativamente simples, embora sejam altamente complexos se considerado todo o conhecimento que se precisou acumular ao longo de séculos até sua produção. A informação viaja em velocidade crescente, ligando todos os cantos do planeta em poucos segundos. Compra-se aqui o que é produzido do outro lado do mundo e nossos produtos conquistam consumidores que até ontem mal sabiam onde estamos no mapa. A medicina alcança resultados que antes só podiam ser esperados de um milagre e o número de pessoas que chegam à idade centenária é cada vez maior. Produtos e serviços que nem sonhávamos que pudessem existir tornam-se indispensáveis de uma hora para outra.
Os confortos e facilidades que temos à disposição são tantos que não conseguimos entender como era possível viver antes de tudo isso existir. Mais importante do que isso, as notícias que temos sobre pesquisas e descobertas científicas nos dão a certeza de que todos os problemas da humanidade um dia serão superados. Se gerações anteriores depositavam a fé na magia e na religião, agora é a ciência que nos assombra com seus feitos — incompreensíveis para os menos iluminados, mas que até eles podem fazer funcionar em seu benefício com toda a comodidade — e é ela que responderá a todas as necessidades e, principalmente, anseios da humanidade. A felicidade está ao alcance de qualquer um que seja competente o bastante para conquistá-la.
O preço que pagamos pelo progresso é alto. A expansão da atividade humana não se dá apenas na dimensão do conhecimento. A paisagem é alterada de maneira irreversível para atender às necessidades de ocupação do espaço, geração de energia, produção de alimento e extração de matéria-prima. Os recursos naturais começam a escassear em alguns lugares, dando início a uma complicada corrida em direção a regiões ainda mal-exploradas. Onde a diplomacia não é suficiente, a força serve de argumento. E essa disputa torna-se mais intensa quanto mais aumenta a sede de consumo do mercado, convencido de que a felicidade é um direito e que depende do usufruto de tudo o que é novo, porque ninguém é importante de verdade se seu estilo de vida é ultrapassado. Então, trabalhamos muito — é impossível ter as coisas que nos fazem felizes se não trabalhamos e, depois que as temos, continuamos trabalhando, porque descobrimos que precisamos de outras coisas que até ontem não existiam. (A alternativa costuma ser a infelicidade, mas raramente é uma opção).
Paradoxalmente, a descoberta da diversidade humana e a valorização da multiplicidade de opiniões nos tornam genericamente flexíveis mas individualmente intolerantes. O senso de que somos responsáveis por nossa própria felicidade nos leva a rejeitar tudo aquilo que nos causa repulsa e, em situações extremas, assumir a responsabilidade de destruir o que acreditamos estar errado quando ninguém mais parece ter coragem ou moral suficiente. O mundo se comove diante da grande tragédia que atinge o mundo, o indivíduo não se importa com a miséria que aflige uma pessoa. Falamos sobre o mundo, ignoramos o vizinho. Vigiamos celebridades, deixamos políticos à vontade.
E quando todas essas intolerâncias, indiferenças e futilidades individuais se unem numa enorme massa de intolerância, indiferença e futilidade coletiva, o resultado é uma desastrosa mobilização sócio-política que busca atender aos desejos e não responder às necessidades. E, assim, forma-se a ditadura da maioria, a imposição da vontade de uma massa irracional. Daí à explosão da violência não é necessário grande esforço e as vítimas diretas e indiretas serão contadas aos milhões ao longo de décadas.
Tudo isso poderia ser dito por uma pessoa muito atenta ao mundo de hoje. Deveria ter sido visto por quem viveu na passagem do século XIX para o XX. A grande ilusão de que se construía um mundo próspero e harmonioso desabou quando se descobriu que a mesma ciência que podia salvar a humanidade também podia destruí-la. Os construtores do admirável mundo novo falharam em entender que a simples associação entre desenvolvimento técnico-científico e aplicação de uma rígida disciplina de controle estatal não é suficiente para efetivamente trazer ordem e progresso, ao menos não para toda a humanidade, ao contrário do que afirmava o positivismo. O espírito da Belle Époque não foi capaz de evitar as duas Guerras Mundiais — muito pelo contrário, foi responsável por elas em grande parte. O progresso humano só pode existir de fato se o desenvolvimento técnico-científico for acompanhado pela eliminação das injustiças sócio-econômicas, pelo equilíbrio ecológico, pela disseminação de uma educação humanista — único caminho para evitar que os intolerantes abusem da tolerância — e, ouso dizer, pela elevação espiritual — seja ela resultado de reflexão filosófica ou convicção religiosa.

terça-feira, 26 de julho de 2011

STATUS II

© ImageZoo/Corbis

De volta ao trabalho. Ainda preciso descansar, mas fazer o quê?

segunda-feira, 18 de julho de 2011

FUTEBOLÍSTICAS X: O VENTO DIVINO

Azusa Iwashimizu

Já se passaram algumas horas, mas ainda estou tentando processar o que foi esse domingo de futebol. Não se trata da eliminação do Brasil diante do Paraguai. Reconheço que é um tanto chocante ver uma seleção principal do Brasil, por mais que eu discorde de um ou outro convocado, chutar quatro tiros da marca penal e não converter nenhum, mas quem me conhece sabe que nunca dou muita importância para a seleção, mesmo sendo um apaixonado por futebol. Estou falando da seleção japonesa de futebol feminino, campeã mundial na Alemanha.
Não vou gastar tempo descrevendo o jogo, porque isso você pode ler em qualquer site por aí. Também não vou falar sobre a importância do planejamento de longo prazo, que a seleção japonesa feminina vem se destacando nas categorias de base e que o Brasil tem muito a aprender, porque quem precisa ouvir isso não se importa com o futebol (seja masculino ou feminino), só com o (nosso) dinheiro. Quero pensar no espírito japonês e numa jogadora em especial.
Depois do jogo de hoje, a imprensa esportiva já está colocando em destaque a participação fundamental da capitã Homare Sawa, artilheira, melhor jogadora do torneio e autora do gol de empate no segundo tempo da prorrogação; ou da meio-campista Aya Miyama, autora do gol que tornou a prorrogação possível; ou da goleira Ayumi Kaihori, que assegurou o empate e defendeu duas cobranças de pênalti. Eu quero falar de Azusa Iwashimizu, zagueira, expulsa no final do segundo tempo da prorrogação.
Aqui no ocidente (e em qualquer lugar fora do Japão), kamikaze é o piloto suicida, o guerreiro que está disposto a se sacrificar como arma para abater o inimigo. Em português, a palavra pode ser traduzida pela expressão “vento divino”. Fazendo um resumo muito meia-boca, a lenda diz que, na hora do seu maior perigo, quando tudo o que o Japão puder fazer é esperar para morrer, virá o vento divino (um tufão) para arrasar o inimigo (piratas chineses ao longo da história ou a frota russa em 1904). No final da II Guerra Mundial, os pilotos japoneses foram convocados para serem parte desse vento divino que livraria o Japão. O final da história vocês sabem — e livros de história estão aí para quem não sabe. A figura do kamikaze se torna possível no Japão por causa do espírito do guerreiro japonês. A honra só existe para o vitorioso ou para o morto. A maior parte dos ocidentais definiria isso como fanatismo e provavelmente é verdade. O fato é que o verdadeiro japonês entende a necessidade de se sacrificar pelo bem maior de seu povo. Não é só uma questão de coragem. É uma questão de propósito.
Sem contar os acréscimos, faltava pouco menos de um minuto para terminar a prorrogação. O jogo estava empatado em 2x2 e o Japão tinha lutado muito para conseguir aqueles dois gols. De repente, um lançamento e a atacante americana Abby Wambach, uma das mais experientes e competentes de uma equipe que já é acima da média, disparou por trás da zaga para receber, na entrada da área, uma bola lançada com perfeição. Se dominasse aquela bola, estaria livre, de frente para o gol. O jogo e o título seriam definidos ali. E eu, já lamentando pelas japonesas, de repente vejo uma zagueira japonesa deslizando no chão, num carrinho certeiro! Wambach no chão! Não foi uma falta para machucar a adversária. Mas era uma jogada em que havia clara possibilidade de gol e foi impedida por uma falta proposital.
Iwashimizu não reclamou do cartão vermelho. Suas companheiras também não. Limitaram-se a abraçá-la e agradecê-la. Ao menos agora elas teriam uma chance de evitar o gol americano.
Não sei se ela pensou nisso na hora. Não sei se alguém mais pensou nisso. Também não sei se Wambach teria feito o gol. Só sei que o Japão venceu esse jogo nos pênaltis e que isso possivelmente só aconteceu porque ela, sem nenhum outro recurso à mão (ou ao pé, já que é futebol), se atirou para impedir o avanço da americana. O que Iwashimizu fez não foi só impedir que seu time levasse o gol fatal. Ela deu às companheiras a injeção de ânimo que elas precisariam para continuar até o fim. E é por isso que é dela a imagem que abre este post.
O que é o vento diante de uma armada inteira? Pode ser a vitória.
© Getty Images/FIFA

quarta-feira, 6 de julho de 2011

ALEATEORIAS XL


Resolvi mudar a fonte do blog. Tenho uma certa fixação pelo estilo Comic Sans MS. Deve ser porque, de certo modo, lembra um pouco letra de mão. Nada contra a tradicionalíssima Times New Roman — muito pelo contrário, acho que é uma das mais confortáveis para leitura —, mas a vantagem é que agora o blog fica com um aspecto menos formal. (E agora me lembro que, quando passei a usar TNR, a idéia era exatamente dar uma cara mais séria. Reconheço que sou um blogueiro inconstante).
Os alunos não aparecem mais na escola, as notas já foram fechadas e amanhã começa a série insuportavelmente chata de reuniões de conselho de classe. Na prática, é só para ficarmos sabendo que fulaninho ou fulaninha não é ruim só com esse ou aquele professor. Raramente se discute e decide algo realmente útil. Do modo como é feito, a simples impressão de relatórios resolveria esse problema. É impressionante que, em pleno século XXI, nossa produtividade ainda seja medida pela quantidade de horas em que ficamos confinados numa sala ou de formulários que preenchemos manualmente. Alguma burocracia é sempre necessária, mas, na maior parte do tempo, ela é apenas um desperdício de tempo, papel e paciência.
Reconheço, porém, que grande parte do meu problema com a burocracia escolar se deve justamente ao fato de eu estar sempre atrasado com ela. Por exemplo, meus diários-de-classe só são chamados de diários por uma questão de uso consagrado do termo. Se considerar o tempo que dedico ao preenchimento deles, o nome mais adequado provavelmente seria bimestrário ou até semestrário. A verdade é que vejo pouquíssima, quase nenhuma utilidade naqueles papéis, até porque o papel aceita qualquer coisa, ou seja, não interessa a verdade; interessa o que está no papel.
Mudando de assunto, tenho curtido bastante esses dias frios. É verdade que não é exatamente divertido sentir os dedos endurecendo e a sensação que o vento gelado no cabelo molhado provoca de manhã, quando estou a caminho do metrô, está longe de ser confortável. Mas eu realmente gosto desses dias em que até eu sinto frio. Deve ser porque é um dos poucos momentos em que experimento a mesma sensação que as pessoas à minha volta. Essa mesma lógica não se aplica ao verão, afinal, sofro muito mais do que a maioria e, para todos terem a mesma sensação desagradável que experimento, o calor teria que ser absurdamente grande, o que obviamente não é do meu interesse.
Hoje é mais um dia frio. Menos do que ontem e bem menos do que segunda-feira, mas ainda é um dia em que até eu estou agasalhado. Dia bom para comer feijoada. Aliás, é quarta-feira. Talvez deixar a lasanha congelada para depois e ir até o boteco mais próximo para matar uma feijoada seja uma boa idéia. (A quem estou tentando enganar?! É uma ÓTIMA idéia! Saindo em busca de uma feijoada. Até mais!).

Conheça, também, o primeiro Aleateorias.