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terça-feira, 8 de maio de 2012

OSSOS DO OFÍCIO IX: O CHAMADO DO DEVER

© Images.com/Corbis

Ultimamente só escrevo aqui para reclamar. Aliás, estava escutando por esses dias uma entrevista de um sociólogo que falou, entre outras coisas, da tirania das redes sociais: o quão deprimente é ver que todas as pessoas estão bem, felizes, radiantes, porque quase ninguém compartilha mágoas, tristezas, o peso da vida. Bom… Isso me torna um “quase ninguém”. *risos*
Antes que eu comece a receber telefonemas (suponho que ainda haja quem goste disso), SMS, comentários, e-mails, scraps ou mensagens via Twitter ou Facebook, deixo claro que estou bem. Não estou em depressão (pelo menos não tenho apresentado os sinais característicos ‒ depois da crise que durou alguns anos, sei muito bem como identificar o problema), os ataques de ansiedade também não me perturbam há alguns meses e as únicas coisas que me incomodam fisicamente no momento são as dores na cabeça e nas costas (aprendi a viver com elas) e o fato de não poder tomar Coca-Cola por causa da glicemia (ISSO é realmente triste). Mas é fato que sinto-me ainda um tanto incomodado, perdido.
O trabalho este ano está bem mais fácil, uma vez que não preciso mais acordar às 5h da manhã todos os dias (exceto quarta-feira, que, por esse motivo e pelas 3h de reunião pedagógica, é meu novo dia mais odiado da semana). Isso serviu para me dar um ânimo novo nos primeiros meses, mas o efeito começa a passar. O problema é que estou, de novo, brigando comigo mesmo. A cabeça sabe que preciso fazer esse trabalho, que é minha responsabilidade fazer o maior número possível de alunos enxergar o mundo como algo que precisa mudar, que se eu deixar a sala-de-aula estarei dando as costas para uma missão que poucas pessoas estão dispostas e preparadas para cumprir. Mas o coração não está mais nisso. Ele não sabe o que quer, mas tem certeza de que não quer mais isso. E aqui estou eu, dividido entre o chamado do dever e a vontade de fazer outra coisa que ainda não sei o que é direito.
Nesse ponto, sou um daqueles casos de adolescência prolongada. Se a cabeça e o coração não entram em acordo, não encontro o senso de propósito de que tanto falo aos meus alunos. E sem um propósito, sem convicção, simplesmente saber que tenho uma missão a cumprir não é suficiente. Só me faz sentir culpa por não fazer aquilo que sei que deve ser feito. E tudo o mais, tudo MESMO, desanda enquanto eu não conseguir resolver isso.
Grande parte do problema é a enorme distância entre aquilo que tenho certeza de que devo fazer com meu trabalho e aquilo que todo o mundo (professores, meus superiores, alunos, pais de alunos, os burocratas do Estado, a mídia, a sociedade em geral) acha que devo fazer. Sem medo de parecer arrogante (porque sei que sou mesmo e nunca me importei em disfarçar), eu sei que estou certo e o mundo errado. Mas o mundo tem certeza de que estou errado e está disposto a fazer de tudo para me impedir de fazer aquilo que deve ser feito, inclusive me obrigar a gastar toneladas de papel com trabalho estupidocrático e trabalhar com gente que simplesmente não quer pensar porque acha difícil demais.
Saudades de quando eu ainda tinha o coração aberto para meus alunos (mesmo que nem sempre mostrasse isso). São só 13 anos de carreira, mas sinto como se tivesse perdido o coração pelo caminho há séculos. E nem faz tanto tempo assim que tive alunos que eu realmente posso dizer que amei.
Encerro com as palavras de um filósofo e poeta português. Minha cabeça sabe que o que ele diz é verdade, mas meu coração não acredita mais. E eu sei que a cabeça está certa. Agora preciso convencer o coração. Essa é sempre a parte mais difícil.

“Ser mestre não é de modo algum um emprego e a sua atividade se não pode aferir pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a idéia que fazem dele os homens do tempo; o que verdadeiramente há de pesar na balança é a pedra que lançou para os alicerces do futuro.”
Agostinho da Silva (1906-1996)

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