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segunda-feira, 18 de julho de 2011

FUTEBOLÍSTICAS X: O VENTO DIVINO

Azusa Iwashimizu

Já se passaram algumas horas, mas ainda estou tentando processar o que foi esse domingo de futebol. Não se trata da eliminação do Brasil diante do Paraguai. Reconheço que é um tanto chocante ver uma seleção principal do Brasil, por mais que eu discorde de um ou outro convocado, chutar quatro tiros da marca penal e não converter nenhum, mas quem me conhece sabe que nunca dou muita importância para a seleção, mesmo sendo um apaixonado por futebol. Estou falando da seleção japonesa de futebol feminino, campeã mundial na Alemanha.
Não vou gastar tempo descrevendo o jogo, porque isso você pode ler em qualquer site por aí. Também não vou falar sobre a importância do planejamento de longo prazo, que a seleção japonesa feminina vem se destacando nas categorias de base e que o Brasil tem muito a aprender, porque quem precisa ouvir isso não se importa com o futebol (seja masculino ou feminino), só com o (nosso) dinheiro. Quero pensar no espírito japonês e numa jogadora em especial.
Depois do jogo de hoje, a imprensa esportiva já está colocando em destaque a participação fundamental da capitã Homare Sawa, artilheira, melhor jogadora do torneio e autora do gol de empate no segundo tempo da prorrogação; ou da meio-campista Aya Miyama, autora do gol que tornou a prorrogação possível; ou da goleira Ayumi Kaihori, que assegurou o empate e defendeu duas cobranças de pênalti. Eu quero falar de Azusa Iwashimizu, zagueira, expulsa no final do segundo tempo da prorrogação.
Aqui no ocidente (e em qualquer lugar fora do Japão), kamikaze é o piloto suicida, o guerreiro que está disposto a se sacrificar como arma para abater o inimigo. Em português, a palavra pode ser traduzida pela expressão “vento divino”. Fazendo um resumo muito meia-boca, a lenda diz que, na hora do seu maior perigo, quando tudo o que o Japão puder fazer é esperar para morrer, virá o vento divino (um tufão) para arrasar o inimigo (piratas chineses ao longo da história ou a frota russa em 1904). No final da II Guerra Mundial, os pilotos japoneses foram convocados para serem parte desse vento divino que livraria o Japão. O final da história vocês sabem — e livros de história estão aí para quem não sabe. A figura do kamikaze se torna possível no Japão por causa do espírito do guerreiro japonês. A honra só existe para o vitorioso ou para o morto. A maior parte dos ocidentais definiria isso como fanatismo e provavelmente é verdade. O fato é que o verdadeiro japonês entende a necessidade de se sacrificar pelo bem maior de seu povo. Não é só uma questão de coragem. É uma questão de propósito.
Sem contar os acréscimos, faltava pouco menos de um minuto para terminar a prorrogação. O jogo estava empatado em 2x2 e o Japão tinha lutado muito para conseguir aqueles dois gols. De repente, um lançamento e a atacante americana Abby Wambach, uma das mais experientes e competentes de uma equipe que já é acima da média, disparou por trás da zaga para receber, na entrada da área, uma bola lançada com perfeição. Se dominasse aquela bola, estaria livre, de frente para o gol. O jogo e o título seriam definidos ali. E eu, já lamentando pelas japonesas, de repente vejo uma zagueira japonesa deslizando no chão, num carrinho certeiro! Wambach no chão! Não foi uma falta para machucar a adversária. Mas era uma jogada em que havia clara possibilidade de gol e foi impedida por uma falta proposital.
Iwashimizu não reclamou do cartão vermelho. Suas companheiras também não. Limitaram-se a abraçá-la e agradecê-la. Ao menos agora elas teriam uma chance de evitar o gol americano.
Não sei se ela pensou nisso na hora. Não sei se alguém mais pensou nisso. Também não sei se Wambach teria feito o gol. Só sei que o Japão venceu esse jogo nos pênaltis e que isso possivelmente só aconteceu porque ela, sem nenhum outro recurso à mão (ou ao pé, já que é futebol), se atirou para impedir o avanço da americana. O que Iwashimizu fez não foi só impedir que seu time levasse o gol fatal. Ela deu às companheiras a injeção de ânimo que elas precisariam para continuar até o fim. E é por isso que é dela a imagem que abre este post.
O que é o vento diante de uma armada inteira? Pode ser a vitória.
© Getty Images/FIFA

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