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sábado, 3 de setembro de 2011

OSSOS DO OFÍCIO VIII: NARCISO DESENGANADO


© Images.com/Corbis

Definitivamente, preciso de ajuda. E rápido.
Desde que me tornei professor — e lá se vai uma década nessa brincadeira —, sempre achei que meu maior diferencial fosse a habilidade de dar um sentido integrado a conteúdos que alunos e professores costumam conceber como compartimentos estanques. Grande parte do respeito que conquistei como profissional se deve a um considerável volume de informação de diferentes áreas do conhecimento que consigo articular para que meus alunos sejam apresentados a um cenário muito maior do que a mera descrição dos fatos ou o tradicional binômio nome-data. Mesmo aqueles alunos que não conseguiam me acompanhar, respeitavam meu trabalho porque reconheciam que diante deles estava alguém que tinha um compromisso real com o desafio de provocar o questionamento numa geração intelectualmente passiva. E, enquanto pedagogos e professores ainda tentam entender o real significado da interdisciplinaridade — a última moda nos discursos sobre educação escolar —, ando com ela de braço dado, totalmente confortável com temas e dados que “não têm nada a ver com história”.
Não perdi essa habilidade e, sem falsa modéstia (ao menos sou honesto para admitir que me falta a verdadeira), ela está muito mais afiada hoje do que no início da carreira. Já dizia Aristóteles que a excelência é muito mais uma questão de prática do que de talento. Mas o resultado este ano é pífio, deplorável, irrisório, absolutamente descartável. Se existe um troféu para o professor ineficiente, este ano sou um sério candidato.
Eu poderia colocar a culpa nos alunos, em seu desinteresse, em sua incapacidade de estabelecer prioridades corretamente, em sua preguiça de pensar, em sua preocupação exclusivamente com a diversão e o momento e não com o futuro. Ou poderia colocar a culpa nos pais, que não dão limites aos filhos, que não ensinaram a importância dos estudos, que os abandonaram aos cuidados das babás eletrônicas televisão e internet, que lidam com a escola como se fosse apenas um lugar para deixar os filhos enquanto cuidam de seus afazeres, sem se preocupar com o efetivo cumprimento dos papéis de escola e estudantes. Ou, ainda, também poderia culpar os professores picaretas que fingiram que ensinaram alguma coisa nos anos anteriores, que se preocuparam apenas em reproduzir conhecimento e não em construí-lo. E isso se chegaram tão longe. Posso culpar os políticos, que não dão ao professor as condições adequadas de trabalho, de modo que estamos todos esgotados física e emocionalmente por causa da falta de reconhecimento, da falta de estabilidade financeira, do excesso de trabalho e da sobreposição de papéis — professores são pais, psicólogos, médicos…
Tudo isso é uma parte muito grande do problema, mas, se não existiu desde que a primeira escola foi criada, nada disso é novidade desde muito antes de eu me tornar professor. Talvez o grau de profundidade desses problemas tenha aumentado nos últimos anos, mas eles sempre fizeram parte da minha rotina e, numa perspectiva mais global, meu trabalho sempre foi muito bom. Então, se as coisas este ano estão dando tão errado, a culpa certamente é minha.
Refletindo muito nessas últimas semanas, percebi que ainda não consegui encontrar um ponto de contato com meus alunos. Não consigo me comunicar. Por estranho que pareça, eu, que sempre tive fama de carrasco e de só ver o aluno como aluno e não como pessoa, sempre consegui capturar a atenção da maioria. E nunca fiz uso de nenhum recurso inovador (mesmo porque o Estado só me dá o giz e a lousa) ou de alguma estratégia mirabolante. As coisas sempre aconteceram com naturalidade.
Os pedagogos dizem que é preciso dar relevância ao conhecimento para que ele se torne atraente aos estudantes. Dizem, também, que ele deve ser apresentado de maneira a atiçar a imaginação e a criatividade. O que esses pedagogos esquecem ou ignoram — acredito mais na segunda opção — é que a relevância precisa de pelo menos alguns minutos para ser construída e que imaginação e criatividade dependem de já haver um universo conceitual razoavelmente sólido. Nada disso se consegue sem comunicação, sem vínculo. E é isso que ainda não consegui. E já estamos em setembro.
Talvez seja um problema com esta geração específica. Talvez a turma seguinte seja melhor, mas não consigo apostar nisso. Todos os meus colegas estão insatisfeitos também. A maioria ainda acha que o problema está nos alunos, na família, nos professores anteriores, no sistema. Não perceberam que não estão conseguindo se comunicar. Eu percebo o problema, mas não tenho a menor idéia de como consertar as coisas com os recursos que tenho, sejam materiais ou intelectuais.
Talvez seja mesmo hora de seguir adiante e fazer outra coisa da vida. Um professor que não se comunica pode não ser pior do que um sem compromisso ou sem conhecimento, mas é quase tão inútil quanto.

2 comentários:

Mensageiro disse...

nossa....
preocupou-me....
Apareça no msn para conversarmos!!!!;)

Abraços e melhoras

Mayara Zucheli disse...

Eu sempre quis fazer história como faculdade, desde o fundamental, e quando cheguei no ensino médio suas aulas me deram mais certeza. Suas provas eram assustadoras e mesmo assim são as que eu mais me recordo.
Conectar-se com os alunos, depende muito do aluno... existe os que não ligam pra nada e daí fica difícil mesmo.
Não desiste professor! :)

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