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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

FUTEBOLÍSTICAS VII: A NOITE EM QUE FALTOU CORINTHIANS AO CORINTHIANS

© Jim Cummins/Corbis

Sempre que escrevo sobre o Corinthians aqui no blog é para tripudiar. Se não é sempre, é quase. Não sei dizer se essa vontade de rir das desgraças alvi-negras está ligada à minha adolescência sãopaulina ou se é porque tenho amigos corintianos muito apaixonados, que realmente sofrem pelo time. Provavelmente as duas coisas. Imagino que essa possibilidade de me divertir à custa do sofrimento alheio seja a principal razão de eu acompanhar tantos jogos do Corinthians, seja pelo rádio ou pela televisão. (Se bem que, em se tratando de futebol, eu paro para acompanhar qualquer jogo de quem quer que seja). Hoje (na verdade, entre ontem e hoje, graças à Globo, que tem que passar novela antes e manter os apaixonados por futebol acordados até o início da madrugada), como não podia deixar de ser, parei para assistir a inusitada derrota do milionário Corinthians para o quase desconhecido Deportes Tolima. E, uma vez que já me diverti o bastante via Twitter e celular, quero aproveitar para apresentar o que penso sobre vitórias e derrotas no futebol.
No futebol, como todos sabem, a probabilidade de vitória de um time mais fraco sobre um time mais forte é muito maior do que em qualquer outro esporte. Aliás, provavelmente é o único esporte em que é possível um time jogar bem e perder para outro que deu sorte em um único lance. Vencer, perder, empatar, erros da arbitragem, desonestidades de vários tamanhos, tudo isso é parte do futebol. Quem vive nesse mundo sabe e, por mais que discorde, grite, esperneie, acaba aceitando isso, afinal, a bênção e a maldição do futebol são uma só: bom ou mau, o resultado do jogo já está feito e logo temos que nos preparar para o próximo. Há pouco tempo para comemorar ou lamentar.
É claro que todos preferem comemorar sucessos, especialmente num país como o nosso em que o segundo colocado é apenas o primeiro na lista dos perdedores, mas existem derrotas que aprendemos a aceitar. São aquelas derrotas em que, apesar da frustração, reconhecemos em nossos jogadores o espírito de luta, a vontade de vencer, a força para tentar até o último momento. Cada time tem em sua tradição algum aspecto de onde se retira esse espírito: o passado glorioso, a origem étnica ou social, os símbolos sacramentados de uma fé muitas vezes superior à religião, a própria torcida…
Não é de hoje que estranho esse time do Corinthians. Desde o ano passado, me parece que o Corinthians não é mais o Corinthians. Não digo isso por conta dos maus resultados, até porque eles não têm sido tão ruins assim, nem da falta de títulos, porque eles têm acontecido. Digo isso porque me parece que o Corinthians é, hoje, um time muito distante de sua verdadeira identidade.
O Corinthians não é só uma agremiação esportiva que tem uma equipe profissional de futebol. Ele é o Timão da Fiel, um time que, claro, tem um grande número de torcedores espalhados em todas as camadas sociais — é um time massa —, mas é fundamentalmente um time popular, de gente simples e humilde. Sua origem é tão humilde que sua fundação se deu numa esquina! (Não posso deixar de rir diante do fato de que o Corinthians continua sem-teto — aliás, o comunicado à imprensa diz que o Fielzão começará a ser construído no dia 1.º de abril, o que já é outra piada pronta). O corintiano padrão é, como ele mesmo diz, “maloqueiro e sofredor, graças a Deus”. E é dessa origem simples, da massa trabalhadora que ergueu São Paulo, que o Corinthians herdou sua identidade: garra acima da técnica, coragem acima da lógica, vontade acima da capacidade, fé acima de tudo. Mesmo eu, que nunca fui corintiano, aprendi a respeitar essa tradição. E me parece que essa tradição foi esquecida.
O Corinthians deixou de ser um time de futebol e se tornou uma marca, um produto, um projeto de marketing, que é vendido a preços exorbitantes a um pequeno grupo de endinheirados que, é claro, são apaixonados pelo time, mas que não traduzem o verdadeiro espírito da Fiel. E sem a verdadeira Fiel nas arquibancadas, o Corinthians se torna um time comum, porque, muito mais do que qualquer outra torcida de qualquer outra equipe, a Fiel carrega o Corinthians. Ela quer ver nos jogadores a mesma paixão que ela tem pelo time. Ela perdoa os defeitos daqueles que entram em campo e ali entregam tudo o que têm. Ela não aceita a passividade, a falta de vontade, a ausência de espírito de luta com que Tite e seus comandados caminharam pelo gramado do Manuel Murillo Toro. Embora o lado gozador tenha saído satisfeito com o resultado, minha paixão por futebol me faz lamentar muito, não pela derrota, mas pelo modo como ela veio.
Assisti, nos últimos anos, esse apequenamento acontecer com a seleção brasileira. Agora vejo acontecer com um dos gigantes paulistas. Sempre acreditei que o futebol venceria no final. Ainda acredito, mas começo a perceber que já não tenho tanta convicção.


Veja mais da coluna “Futebolísticas” no antigo Aleateorias

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