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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

OSSOS DO OFÍCIO VII: DE VOLTA OUTRA VEZ


© Images.com/Corbis

A chegada do fim das férias é sempre marcada por uma certa ansiedade. Existe sempre aquela preocupação com a distribuição das classes; fico preocupado com a possibilidade de ter que me deslocar de uma escola para outra para completar minha carga semanal de aulas; tenho a esperança de não ter que acordar tão cedo ao longo do ano; fico em dúvida entre trabalhar à noite, período em que me sinto bem, com alunos geralmente muito fracos ou de manhã, o pior período do dia para mim, com turmas mais fortes; como vão ficar as negociações com os outros professores da área para que todos saiam satisfeitos com a distribuição de aulas; quem serão os professores das outras áreas que vão trabalhar com as mesmas turmas… O número de inquietações é enorme.
Este é um ano que já começa um tanto diferente dos demais. Nos últimos anos, as férias não têm sido suficientes para que me recupere do cansaço físico e mental, principalmente o mental. (Já falei disso antes e, por isso, não vou me alongar nesse ponto). Outra mudança importante é o fato de que vou voltar a trabalhar com PDH, uma disciplina de apoio curricular que, na prática, acaba se tornando um curso de Atualidades. Essa é uma boa mudança, já que considero as aulas de PDH muito mais divertidas do que as de História. O que eu realmente gostaria de fazer é pegar todas as turmas de PDH e só completar a grade com algumas aulas de História, mas eu estava tão cansado (some o sono de quem teve que acordar às 6h da manhã ao esgotamento físico e mental que estou sentindo e você terá uma idéia de como eu estava na escola) que nem percebi quando o diretor me perguntou se eu continuaria trabalhando com todos os 3.ºs anos da manhã. Só quase agora percebi o que aconteceu e já é tarde demais. Agora é agüentar, mas já é melhor do que o ano passado, quando não tive nenhuma turma de PDH. Finalmente, a mudança tecnicamente mais significativa é que vou ter carga completa de manhã e só uma turma à tarde. Depois de 3 anos trabalhando em 3 turnos, finalmente vou poder manter uma rotina mais racional. Só não é o ideal porque vou continuar acordando às 5h da manhã todos os dias. (Eu realmente ODEIO acordar cedo).
O ano passado foi muito ruim em termos de trabalho. A bem da verdade, ele foi muito ruim no geral e já no meio do ano eu dizia que 2010 era um ano que eu gostaria de apagar da minha vida. Infelizmente, não tenho como fazer isso e nem como evitar as conseqüências do desastre que ele foi. (Estou tentando enfiar janeiro de 2011 no mesmo saco em que coloquei quase todo o ano de 2010 e me livrar de tudo isso de uma vez só). O diretor já me avisou (e eu já esperava por isso) que está na lista de prioridades dele conversar comigo sobre o que deu errado no ano passado — já está ficando repetitivo, mas preciso mesmo dizer que 2010 foi ruim. Eu até já sei quais são as críticas e cobranças que a Direção e a Coordenação têm a fazer e a maioria delas é muito justa, mesmo que um bom número dos problemas fosse fruto de situações que não estavam exatamente sob meu controle.
Vão me cobrar mais responsabilidade com os prazos burocráticos (justo, atrasei a entrega das notas em todos os bimestres e a devolução de provas e trabalhos — e isso quando consegui devolver provas e trabalhos, porque alguns ainda estão aqui do meu lado —, mesmo que grande parte da burocracia seja absolutamente inútil); mudanças no processo de avaliação (mais ou menos justo, porque minhas provas e trabalhos têm objetivo de preparar os alunos para o modelo  e pressão de vestibular, mas as notas são realmente muito ruins no geral); mais cuidado com as ausências, mesmo que elas sejam provocadas por problemas de saúde (justíssimo, nem tenho idéia de quantas aulas perdi no ano passado por conta da depressão e do cansaço); mudanças no programa do curso para que ele tenha mais conteúdo “histórico” e menos “filosofia” (inaceitável, já que eles estão adotando as definições mais rasas e simplórias do que sejam História e Filosofia); mudanças no estilo de aula (mais ou menos justo, porque a maioria dos alunos não consegue acompanhar aula expositiva e muitos abusam da liberdade que dou para que resolvam se querem ou não prestar atenção, mas o argumento de que “colegial não é faculdade” é absurdo, especialmente quando querem que eu troque isso por aulas do tipo “Ctrl+C, Ctrl+V”).
Aproveitei para conversar um pouco com o Adilson, professor de Filosofia que tem sido meu principal parceiro de discussões e trabalho. Na verdade, a considerar o conteúdo intelectual desse cara, eu é que sou o sidekick. É interessante como nunca concordamos, mas estamos sempre juntos e trabalhamos bem. Concordamos hoje que nutrimos um pelo outro grande estima no aspecto relacional e profundo ódio intelectual. Nos últimos anos, estamos tentando aproximar as várias disciplinas das Ciências Humanas e montar uma linha-mestra comum (termo que consideramos semanticamente muito curioso, aliás — uma das poucas coisas em que concordamos), já que temos menos aulas e muitos conceitos complexos que exigem um diálogo maior com outras áreas. Boa parte dos professores nos detesta por conta dos questionamentos que provocamos nos alunos, especialmente com relação à epistemologia de suas áreas, mas já assumimos que não estamos lá para fazer amigos e que é mais importante (e divertido) ajudar a criar uma situação em que alunos e, principalmente, professores sejam obrigados a refletir.
Agora tenho mais ou menos uma semana para remontar dois cursos — 2.º e 3.º ano, principalmente o 3.º — e pensar pelo menos no 1.º semestre de PDH. Nesse caso, também preciso pensar em como vou convencer os outros professores a trabalharem pela linha que eu quero. E ainda preciso montar o material para as primeiras aulas. Quero deixar pelo menos duas semanas de aulas já montadas. Essa vai ser a parte complicada, porque não pretendo aproveitar quase nada do que fiz no ano passado. (Mais uma vez, 2010 é um ano que quero esquecer).
Quase não falei com os outros professores. Com a maioria deles, tenho, no máximo, uma relação profissional educada. Tenho certeza de que quase todos eles gostam muito mais de mim do que eu deles. Além disso, o sono e as inquietações da mente não me deixaram à vontade para aquela tradicional conversa fiada de volta das férias. E tenho a impressão de que eu também não estava com uma cara muito amigável, já que quase ninguém veio falar comigo, o que não me desagradou nem um pouco.
O ano promete. Espero que seja menos cansativo e que as coisas façam mais sentido — porque pouca coisa é tão sem nexo quanto a educação pública. Mas não acho que isso vai mudar algum dia.


Mais da coluna “Ossos do Ofício” no antigo Aleateorias.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ahhh professor, não acredito que o senhor vai dar aula de PDH esse ano. Ano passado tivemos que nos virar com "o que quer que fosse" aquela Natalene .-. E concordo com o senhor no ponto de querer apagar 2010 da mente, e tomara que esse ano seja melhor '-'

Makoto® disse...

São só 4 turmas de PDH e 11 de História. Eu preferia fazer o contrário...

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